segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

jaula

macacos me mordam!
que eu adormeci, .
a ver se me acordam.

quase me esqueci quem era.

eles que me mordam!
que eu quase morri,
a ver se espevito.

eles que me catem
os parasitas,
antes que apodreça.

eles que me arranquem
os pelos da barba,
talvez rejuvenesça...

macacos me suguem
o sangue da alma
a ver se desisto

de procurar algum sentido nisto.

a morte do artista

o meu pecado
foi ter-te amado
aberto o flanco
assim tão de lado
que sucumbi
anestesiado

o meu erro
foi ter amado
deixar-te fugir
sem ter agarrado
sonhar a sorrir
e dormir enganado

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

morte em camera lenta

acordei com a depressão a bater à porta,
não a deixei entrar – entrou na mesma
deitou-se ao meu lado,
e olhou-me nos olhos.

congelei de medo.
nunca a sentira tão perto,
o seu respirar, arrepiante.

não me movo.
não me atrevo.
sei que lá fora me espera o mundo,
carregado de verdade
de maldade e solidão enevoada.
não fujo.

horas a fio, sem me mexer.
deitado aqui,
à espera que passe,
que desapareça.
mas ela persiste,
sorri e resiste.

sei que me quer, faminta,
sentada ali
na outra ponta do quarto
sorrindo,
aguçando as garras,
à espera que eu me distraia.

não fujo.
faço-me de valente,
disfarço o medo fazendo de conta que não a vejo
mas ela continua ali
paciente,
esperando.

epílogo:

ignoro a fome
prefiro-lhe o enjoo de um cigarro atrás do outro
aliviam a pressão no meu peito
esta dor que me deixa sem jeito
esta inquietude dentro mim
que anuncia a mágoa por verter
e quando rebento por fim
em espasmos de enlouquecer
ponho um cadeado na minha cara
embebido em apatia; ninguém repara.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

bailado tradicional vol.I

o baile abre com a seguinte melodia:

os astros voltaram a alinhar-se cruelmente
naquela constelação dádá de firmamento
que se forma de vez em quando
só para me foder.
por aí me arrasto, tremendo ao relento
e mesmo assim vou gritando,
não é desta que vou morrer!

Abre o pano e o pianista toca entretido (que alegria!):


o meu amor é um buffet,
cada um passa, pede e tira.
sirvam-se abutres! devorem-no hienas!
gulosos,
encham os bolsos e levem para casa,
guardem no frigorífico, ofereçam aos amigos,
aos namorados, ás namoradas,
deixem estragar e deitem ao lixo:
há aqui muito e abunda.

e deixem os pratos, que eu arrumo…

Mais um rissolzinho? sobremesa? (um momento, vou à cozinha e já volto não sei se ainda tenho!)

já não há?
pura ilusão!
não existe, inventa-se…
como é que queres? doce, salgado,
amargo, inspirado?
trago em mim receita para tudo
e solicitado cá estou,
PRESENTE!
preparando, confeccionando, inventando,
não gosto é de gente insatisfeita:
comam, enjoem e vomitem (se for o caso, o apetite tem dessas coisas).

O pianista não sabe? Sento-me eu ao piano então.


dancem que eu toco,
querem valsa? tango? e pimba?
querem que componha? para vocês? também se arranja!
um balada? (romântica?)

gostas desta melodia?
sentes-te preenchida
e em pura sintonia?
não queres dançar? paciência.

então bailem para aí que eu acompanho.
eu quero é gente feliz
que infeliz já chego eu

(sozinho ao piano de copo na mão)


e quando acharem que chegou, (avisem!)
eu chamo um taxi e ofereço uma recordação
um pedaço de esperança do homem
que sonhava de copo na mão.

e, por favor, não se incomodem,
deixem os cacos que eu varro…

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

27.11.08

no dia mais só da minha vida
a minha alma gritou o teu nome
no deserto vazio que deixaste por cá.

angustiada esperou…
pelo eco que nunca soou.

15.12.08

invólucro de energia
ardendo por dentro
convulsionado em ebulição
quebrado por fora
vertendo sangue
radiância negra
de um choro magoado

o coração
incompreendido

espelho da minha morte
a solidão.
tropeçante em desequilíbrios
esgueiro por interstícios cadavéricos
de uma luz que já não brilha.
ofusca.

jangada de cacos
espiral de destroços
que remoinha e mói
perfura e punge.
caí de joelhos
cansado de lutar
trespassado, gasto
náufrago de mim mesmo

e não me levanto.

quero viver,
só quero viver.

cega-me a tua sombra
paira ali o teu fantasma,
naquele canto frio que guarda o choro
de quem perdeu a eternidade.
para sempre.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

18.11.08

solidão,
mata-me!
que donde venho
não há mais voltar.

mata-me,
que onde estou
não há como fugir,
não há respirar.

solidão,
não me deixes sonhar!
que todo o sonho traz veneno
do vazio que ela deixou.

solidão,
não me deixas amar!
que todo o amor são restos,
daquele que ela levou…

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

11.11.08

fui à varanda acender um cigarro
abri os olhos, respirei o fumo.
senti o brilho dos edifícios, absorto em silêncio
o granito das luzes, gelado.
respirei fundo
e o frio da noite estalou no pulmão da minha alma
como se nada disto importasse.
como se fazendo todo o sentido neste momento
no fundo nunca tivesse importado.
e toda a solidão em mim estremeceu soltando um grito.
quem és tu?
quem és tu pobre desconhecido
a quem a lua pinta os vultos abandonados desta cidade no olhar?
porque procuras tu futilmente um sentido nestas coisas
sabendo perfeitamente que não existe?
não são elas que remendarão os furos que a vida te deixou na alma
e mesmo assim… lá estás tu, tolo,
à espera que alguma estrela te caia no colo
e te venha iluminar um caminho que não existe.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

para variar, um bocado de citação:

Gonna see the river man
Gonna tell him all I can
'bout the ban
On feeling free.

If he tells me all he knows
About the way his river flows
I don't suppose
It's meant for me.

nick drake: river man (grande música- uma ode à incerteza do nosso destino)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

06.11.08 II

Admiro a determinação inocente da criança que brinca na praia à beira da rebentação construindo castelos de areia. Cada vez que uma onda lhe destrói o castelo ela recomeça, construindo um ainda maior, à espera que desta vez resista. Sem inteligência para compreender o carácter sísifico da tarefa a que se propõe. Constrói por gosto, divertida, feliz e entusiasmada.
Tivesse a vida deixado viver essa criança em mim. Trouxesse eu em mim o seu fôlego despreocupado…

06.11.08

a vida continua,
e há dias em que é precisamente esse o problema
o de a vida não ter parado ali onde ela fazia sentido
onde a tudo correspondia um significado
quando estes dias cinzentos não arranhavam
quando tudo esbarrava numa ligeireza inabalável
mesmo assim a vida tem que continuar,
e há dias em que é precisamente esse o desespero…

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

31.10.08

despertar de manhãzinha
com este azul gelado de estalar os ossos
absorver o sol em todo o seu esplendor
morno
sorridente
ser inverno e pouco importar
estar tranquilo, ser completo
rir da vida
rir-me na cara dela
sem me importar.
dizer-lhe
com a determinação de quem já nada tem a perder
que me recuso veemente de a tentar compreender

encostar-me para trás na famosa cadeira de convés
fechar os olhos e sentir as marés
esquecer o mundo,
embalado
e ao sabor constante da ondulação
exorcizar esta tremenda confusão

hoje quando acordei
o ar era fresco
o céu era azul
e o sol era morno.
tudo o resto
sei tranquilamente
com toda a certeza que a incerteza comporta
que já não sei o que é...

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

30.10.08

o ribombar das ondas nos rochedos,
despedaçando-se
o som rufante da chuva,
rajadas goticuladas de turbilhão salgado
assobiando, zumbindo, gritando
orquestra de tambores
de paladares e odores
espumajantes
incessantes

eu. água. o mundo.
montanhas cinzentas de firmamento
planícies inundadas de desespero
cavam fundo
no meu ser
neste mar profundo
em que a minha alma se quer perder

é aqui o meu refúgio
o meu abrigo
só ele me entende:
pequeno postigo
por onde espreito o mundo
à beira-mar

terça-feira, 28 de outubro de 2008

28.10.08

O mundo necessita urgentemente ser reconquistado pelas coisas boas, pelos acontecimentos positivos, pelas ideias optimistas... pelas pessoas que fazem sorrir!
Pelo sol que brilha mais alto, pela chuva que cai suavemente, que apenas deixa um sabor doce e saudoso a melancolia na retina da alma, pelos crepúsculos reconfortantes, pelas brisas refrescantes, pelos corações galopantes de paixão, pelos sorrisos puros e cúmplices, pelos olhares sinceros de compreensão desprendidos de amarras e repreensão.

Então aí sim, provávelmente encontraremos algum sentido nesta existência envenenada de precaridade...

Com tudo o que tenho visto por aí, parece pertinente uma revolução!

Das pessoas boas, das pessoas puras, das pessoas sinceras, contra tudo o que de mal que tem distorcido a beleza por aí perdida, dispersamente, nas entranhas da malvadez que a devorou.

Então aí sim, provávelmente encontraremos algum sentido nesta existência fustigada de incompreensão...

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

27.10.08 III

esperneava no desconsolo da minha fuga desorientada
do lado negro da minha solidão
inconscientemente.

quando

secretamente como todo o destino
sem eu me aperceber
um pirilampo.
uma luz tímida
uma coroa de empatia
que reluzia... tremida de fragilidade
fechada sobre si mesmo

tocou-me nas pálpebras cerradas,
no meu coração fechado
e fugiu.

a criança envergonhada dentro de mim foi atrás
bateu à porta e ninguém abriu,
então fugiu.

e de noite,
com a criança à janela
de vez em quando o pirilampo aparece
puro na sua incerteza, reluzente na sua pureza
tímido, alado, magoado.

a criança envergonhada sonha
timidamente
sonha e projecta
e quando o pirilampo não aparece
fecha a janela

e foge.

27.10.08 II

parou de chover
abriu-se uma clareira no céu
e por entre os restos cinzentos do manto esburacado que enolvia o mundo
espreita a tela azul celeste em que o pintaram
pincelando os telhados de um castanho frio
molhado e opaco
o peso asfixiante da chuva esfumou-se
a natureza respira fundo de alívio
e com ela, a minha alma também

27.10.08

acordei estendido nesta cama
na escuridão negra deste quarto
não me atrevo levantar
o meu corpo pesa toneladas
sinto a gravidade a triplicar em cada centímetro da minha existência

não me apetece mexer
ouço a chuva incessante lá fora
pressinto o dilúvio
não o vou enfrentar
não o quero enfrentar

falta-me a força
para fugir deste buraco negro em que caí
ausencia de vontade
sem folego
para respirar

talvez ficando aqui deitado,
caladinho,
quieto
muito pequeno
inerte
talvez o mundo lá fora desapareça,
talvez tudo passe

talvez...

e o silêncio é total,
já nem a chuva me assusta
invoco as ossadas que me rodeiam
podiam ter sido pessoas,
mortos que a minha vida levou

lembro-me saudosamente de cada uma delas...
e hoje tenho que me desprender.
sei que tenho.

ter precebido
que a solidão é a base de tudo
e que é a partir dela que tenho que saír e conquistar o mundo

daria esse mesmo mundo para ter alguém ao meu lado hoje,
mas não é por aí o meu caminho...
não é por aí... não desta vez.

domingo, 26 de outubro de 2008

domingo 26.10.08

a solidão vazia de um domingo
nua
divago pelos meus sonhos
descartando fantasias
varrendo cacos
procurando norte.

eu.
só eu
sempre eu.

hoje não...

tristemente ridículo
nesta fuga constante
vim desaguar
neste mar deserto
onde me afogo em apatia

desenhei uma vida fácil
neste mapa
que o vento me arrancou das mãos

não vejo nada
desorientado
cego
errante
escuridão

apatia: desilusão
medo. pavor. solidão
morte
estagnação

agarro-me à única certeza que posso ter
aquela que me diz que algures dentro do meu ser cavernoso
escondida
existe um chama que arde, resiste e não se apaga

tímida
sussurra-me ao ouvido
meigamente
que nada o que se sente é em vão
implorando-me para acreditar

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

24.10.08

Refugio-me na escrita,
nas arcadas do meu coracao
na paz da minha solidao.

sei que só nela posso confiar
nesta vida de enganos,
neste fardo imprevisível,
é ela quem me acompanha,
que me ampara, quem me agarra,
me conforta
vida fora me transporta.

fujo das marcas que a vida deixa.
duras. injustas. cruas.
refugio-me aqui.
na escuridao tumular deste quarto,
negro, invisível para o mundo
sem ninguém ver, sem ninguém reparar.

no púrpura amarelado das folhas caídas,
nos ouricos das castanhas que estalam a meus pés,
ao sabor do abandono a que este jardim me votou

no ribombar das ondas, nos rochedos,
na espuma salgada que me salpica o rosto
no temporal desconcertante que me dardeja a alma.

na ternura lunar das ruas desertas,
na escuridao perfeita dos passeios vazios de gente,
na luz morna dos candeeiros despidos.

no meu vaguear saudoso e incerto,
pelas entranhas aladas desta cidade crepuscular
lutando contra esta melancolia que teima em me assombrar

é aqui que o meu ser me inunda e me preenche,
transbordado em sintonia,
aprendo a aceitar o que a vida me faz,
as voltas que o meu coracao dá,
as amarguras que ele me traz.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

16.10.08

Chegou o dia que eu tanto temia. O primeiro dia de desespero cinzento. Chuva: húmida, atordoante, terrívelmente incessante, um dilúvio aterrador que me arrasta a alma para as mais profundas trévas do meu ser. Sinto-me todo corroído pelo frio desta solidao, rendo-me sem resistencia a este estado de anorexia emocional. Hoje não tenho força para lutar. Ultimamente não tenho tido força para nada, vou-me deixando arrastar pelas marés, pelo vento, pelas tempestades que passam pela minha vida. A minha existencia errante, qual nómada, mendigando carinho à espera que alguém acidentalmente deixe caír uma migalha...
Chove e não para. Toda a paiságem chora embebida neste desconsolo enevoado.
Hoje não existe esperança, o motor da alma funciona em poupança de esforços para garantir a sobrevivencia, para não desesperar.
E pergunto-te a ti – porque acordar a minha paixão quando ela estava tão bem a adormecida, perfeitamente anestesiada. Porque ressuscitar para voltar a morrer? Porque espalhar o teu perfume onde ele nada mais pode que deixar uma triste saudade...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

15.10.08

Acordei com este dia perfeito a deliciar-me o paladar da alma. Sento-me na minha poltrona matinal, respiro fundo e observo o mundo cá de cima. Os pesadelos de ontem já acabaram. Ficaram guardados na solidao escura da noite que agora passou. Inspiro esta neblina matinal de uma cidade a despertar. Os carros, as pessoas, os pássaros tudo se convulsiona bailando harmónicamente numa imaculada unidade de movimentos. Os telhados das casas espreitam timidamente embebidos num nevoeiro que neles poisa, acariciaando-os suavemente, também eles vao acordando do sono profundo em que se encontravam perdidos. O sol de outubro, transparente, enfeita celestemente a infinitude do horizonte longíncuo, que com a sua grandeza atlantica me deixa a saborear a melodia serena e compassada da ondulacao que me banha os pensamentos. Maresia! Algures, dispersamente, a neblina pinta uns vultos cinzentos que brilham tristemente. A sua folhágem aguarda de malas feitas, resistindo futilmente no último terço da sua existencia esverdeada, a sua despedida. Prestes a ser absorvida pela beleza púrpura e sangrenta do outono que se anuncia.
Absorto neste movimento que anima as ruas encandeadas, as mesmas que ontem à noite ainda uivavam num choro desesperado, aterrador, desconsolado, por alguém que as reanimasse.
Este dia preenche-me. Enfeita a minha alma morta de cor, enche-me o pulmao de vida, esboça um sorriso no folego que tenho, paracontinuar esta luta eterna contra o meu destino que ultimamente tantos enganos tem proporcionado.
Acordei embriegado de lucidez e a escrita jorra dos meus dedos como se, algures na infinitude deste cosmos outonal, a minha inspiraçao se tivesse cruzado com a perfeiçao deste momento divinal e me tivesse oferecido a força para o agarrar. Sou eu contra o mundo, contra o destino, contra esta solidao estúpida que teima em não me largar e hoje tenho força para a enfrentar.
Ò amanhecer perfeito, tivesse eu alguém com a capacidade para compreender a afinidade com que te sinto, tornar-te-ìa completamente perfeito... ò amanhecer perfeito, fosses tu mulher, pudesse a minha a alma angustiada descansar no teu leito, pudesse eu encostar a minha cabeça cansada no teu peito. Perfeito...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

o fardo do sonhador

perco-me em fantasias
e dou comigo a sonhar de voz alta,
novamente... [repetidamente]
flutuo num tapete voador,
bem longe, longe de tudo
indefinidamente distante
douradamente errante
por encenações triunfantes de um mundo perfeito
na neblina onírica que trago no meu peito
e o mundo que se fechou sobre mim
espera uma oportunidade para desabar no fim
sonho com ela, estrela cadente
fujo de mim para o meio de gente
desencontro o conforto que me tinham prometido
não lhe conheço a cara por nunca o ter tido
desenho um rosto, sonho-lhe uma vida
rainha do meu reino que andava perdida
dou-lhe um nome, tudo floresce
a flor prohibida afinal ainda cresce,
esfinge estrelar do meu paraíso emocional
esqueci-me da minha consciência no mundo real
vagueio errante por labirynthos sociais
flutuo num mar de olhares banais, todos iguais
todos iguais, são reais...
não aguento mais!
tento projecta-la para fora de mim, que esta sonho tenha um fim
quero olhá-la fisicamente nos olhos
afogar-me nos seus braços,
adormecer sem ter medo de acordar,
encontrar um porto, ancorar.
e vou pensando noite adentro,
tropeço, acordei,

berlim em 2001

A noite era escura e densa, eu caminhava sem rumo, perdido, cego de desejo, no infinito das ruas desertas, o cimento dos prédios, morria de sede de desejo naquele deserto de cimento.
A luz dos candeeiros rebolava prateadamente nas poças que a chuva tinha deixado dispersas no asfalto cinzentamente incolor. Era tarde, alguns bares ainda estavam abertos, dentro deles, as pessoas viviam-se umas ás outras, geralmente eu imaginava-as de faces enfeitadas de um sorriso provocado pelo calor social que as envolvia, o esquecimento que as aquecia, de não terem a minha amargura que não as agitava.
Fixei o meu olhar numa rapariga, parecia tão absorvida pelo ambiente que a rodeava que o sorriso que trazia nos olhos quase parecia real, parecia feliz onde estava, simplesmente por ser, ali, naquele momento...
E eu sentia-me só, mas implacável neste frio que me corroia interior e exteriormente, envolvia-me uma força agúda e infinita, o orgulho ridículo de me estar a viver só, exclusivamente.
De todos os meus sntimentos formarem uma maré estrondosa de semntimentos sem fim e essa incrível massa de emoção não ter mar onde desaguar, a minha existência ser demasiado pesada para que o meu sorriso fosse tão leve como o da rapariga, o meu olhar ser tão primordialmente vazio como o de pessoas colectivas de divertimento.
Caminhava pelas ruas cheias de fragmentos do calor que brilhava aqui e ali, como em montras que convidam a entrar, quem me dera ter a força de me deixar arrastar por uma vontade alheia, colectiva, a força de, por instantes, largar o meu orgulho e conseguir ser como os outros, tão felizes por serem iguais, conseguir incorporar um outro personágem isento de amargura, conseguir gerar o calor suficiente para deixar de ser frio, não ter exigências... ...entregar-me a ondas sonoras e vibrar com a penetração sonora a que me sujeitei, enfim, dançar...
Continuava sem rumo, iludido por luzes das mais variadas cores, pecando por olhar tudo sobriamente sem saber o que fazer, sem saber o destino a traçar, só sabia que não queria voltar de mãos vazias, ao menos que trouxesse uma gama de observações,retratos mas nunca desistir, desistir de me ser eu, não, isso não,capitular?- nunca...
Damas de aluguer, mulheres da vida, comparsas, prostitutas, putas, dêm-lhes o nome que quiserem, eram as figuras que se ofereciam, exibindo-se, na berma da rua, um olho nos carros, outro nas figuras solitárias que se passeavam á procura de melhor destino nos passeios desta cidade deserta, figuras como eu, e faltando-lhes a intuição para destinguir sombras de vultos vinham falar comigo, sem saber que estavam destinadas ao fracasso, embora não terem a consciência do conforto que me traziam por ter alguém que desse pela minha presença, que registasse a minha existência.
O silêncio monumental de uma cidade que dorme.Pairava no ar todo o movimento que o dia deixara, um aroma forte de grandiosidade, de triunfo, de poder, que se desfazia na língua da alma e funcionava como sedativo ao monstro que me ameaçava destruír por dentro, e o ar que pairava sobre esta polis abandonada ao desejo da incerteza enchia-me o pulmão onírico e trazia-me, uma páz solitária, momentanea, mas galante e por instantes senti-me em sintonia comigo, tranquilo completo...

arrastado

arrastam-se as horas ,
estranhas, imágens cintilantes vultos deformados
fundem-se com o infinito no horizonte da minha existencia
e tudo é absurdo
o cansaço de vagear perdidamente á procura de um sentido
o cansaço de não encontrar porto para tudo o que sinto
o cansaço de me sentir, de carregar comigo
vida adentro, sonho fora
já pensei ser feliz,
á luz doque vivi, agora, nem sei se o realmente fui
de me ver aqui,
o granizo da solidão, o frio que é o vazio de emoção, carregar este mundo de sentimentos sem ter onde desembocar
errar perdidamente sem ter onde caír, quando o nada vier para me consumir
quando a fantasia a que me tenho agarrado perder o brilho astral poente que me orientava
quando tudo pelo que desesperei se estatelar dolorosamente na realidade de não existir
o medo aterrador que me corroi interiormente
o medo desconcertante de saber sobriamente que és (?) uma ilusão
afogo o desconforto num espasmo alcoolizado de desespero
repetidamente, exageradamente....
á espera que o acaso me traga uma solução, que a vida me dê uma razão
para ter coragem de olhar em frente
eternizo momentaneamente toda a convulsão emocional que me distorce a lucidez
o fogo gelado que me queima eternamente desfaz todo o desejo resolve qualquer ponte que se me teria aberto
longe deste quarto escuro da minha existencia
onde vivo fechado, no meu sono alado
neste choro ensurdecedor quem tem ditado o meu fado

novembro

chuva constante,
desesperante,
constrangedora,
incessante...
a luz perde-se em poças de agonia
num reluzir mate morto, acinzentado
incolor, desinteressante,
chovem gota a gota, dispersamente
espasmos frios de exaustão
o asfalto chora mudo embebido
num manto húmido de solidão

crepúsculo

O sol já se tinha posto e fragmentos de raios dispersos perdiam-se em espasmos roxamente dourados no infinito do horizonte.
As nuvens projectavam um mate cinzento meditileno na calma do constante quebrar das ondas espumosas. Um cheiro salgado a maresia pós-crepuscular apoderava-se do meu paladar amenizando com as rugas que as nuvens desenhavam na face do céu indeciso em flagrante entra o dia e a noite.
A dor ofegante da indecisão do meu ser perdeu-se por instantes na frescura apaziguadora de uma estranha brisa lunar...
Tudo fazia sentido, o meu ser abrangia tudo, prendi o meu olhar numa gaivota errante e deixei-me ir, segui-a de longe até já não a ver. Dissolvi a fragilidade da minha existência no torpor deste instante, voei, fugi, quase desapareci...

Acordei, dou comigo aqui nesta praia, sinto-me invadido pelo esplendor da superfície plana do oceano que silenciosamente se perde indefinidamente na infinitude do horizonte.
Sou todo sonhos, todo possuído, sucumbo perante a grandiosidade deste cenário..
Ò lacustre solidão, como sou irrelevante, como sou nada, ninguém perante ti...
Tivesse todo este existir um sentido, não fossem os sonhos em vão, perdidamente dispersos sem paradeiro na vala comum das fantasias descartadas.
Houvesse alguém, houvesse ela! O outro eu, que me completaria, aquele sonho meu!
Uma loucura definidamente concreta em que me possa perder.
Ó tu, deus sem nome, vida sem rosto, icognito, inexistente [porventura], que mal é que te fiz?
Diz..., diz!!!!!
Sou um orfão do destino, que nenhum deus quis...
E é hoje, agora, com a ternura morna deste vento crepuscular a acariciar-me a face e o esplendor desta noite a enxugar as lágrimas que a minha alma sangrou, que sei decididamente que estou só.
Mas triunfarei, ó abominável desconhecido, dono do destino que nunca nada me ofereceu, não serás tu que me vai privar de viver, desejar, acontecer...

E é em momentos de bonança como este que encontro a minha paz, me ergo das cinzas e invento a esperança para continuar a acreditar, procurar... ...beijo a infinitude dourada do mar, hei de voltar a amar...

Adamastor da minha alma- hei de te derrotar!
remar, remar, remar...

22.9.02

destino

A estrada é longa, larga, poeirenta. As formas da berma perdem-se algures numa neblina cinzenta na incerteza do horizonte. A paisagem vai mudando enquanto sigo viagem, ultimamente tem sido árida, vegetação de arbustos secos, espinhos, galhos de relva amarela dispersos pelo largo manto de terra seca e dura que pinta o resto da paisagem. De vez em quando, uma árvore, seca também.
É fim de tarde, os raios solares perderam o seu fulgor e lentamente o calor vai esvanecendo, ao longe as conturas incertas do dia tornam-se em vultos, sombras, tudo o que parecia preceptivel durante a tarde começa a tornar-se em objectos estranhos, ameaçadores, desconhecidos....
Leves rajadas de vento varrem a poeira da estrada, aqui e ali uma folha seca dança, bêbeda de solidão, sobrevoando o asfalto negro e quente.
Cansado, resolvi fazer uma pausa, sentar-me na berma olhar o silencio que me rodeava, ganhar coragem para continuar esta viagem de rumo incerto, de destino desconhecido.
Cheguei a pensar ouvir um ruído, algo como um pássaro a cantar, uma alma que me acompanhasse neste momento, nada... ...era apenas o vento. O vento que levara tudo, varre com tudo que se me aproxima, foge com tudo o que me pudesse distrair de mim.
Estou só, novamente, passara algum tempo desde a ultima vez que fizera uma pausa, hoje precisava de fôlego, de respirar, reinventar esperança, ganhar fé.
Algures suspenso no nada, a vida hoje sabe-me a pouco, as memórias que trago guardadas na minha algibeira, saboreio-as amargamente. Isto tudo sabe-me a pouco, custou tanto chegar aqui para reconhecer que mais valia não ter partido, todo este cansaço....em vão.
Apetece-me fugir, para onde? Não sei... a estrada é sempre a direito e o que ficou para trás fechou-se sobre mim...não tenho alternativa, continuar em frente, atormentado pela incerteza do que a estrada vazia do destino me reserva... por hoje desisto, monto o meu lar na berma à espera que amanhã faça melhor tempo, que me traga corágem para retomar este vaguear á procura de algo que não se me esboça, algo que desconheço.
Ando por aqui porque me colocaram cá, á procura de uma razão de continuar em frente, talvez seja o desejo de encontrar uma resposta que me carrega, sem rumo sem razão sem alternativa....

epitafo

deixar ir,
deixar fugir…
largar o sonho
deixa-lo arder
reduzido a cinzas
até morrer

sentir-me doente,
acordar diferente...
afogar o ouro das minhas fantasias
observar seus últimos espasmos
reluzir no firmamento
todo consumido pela impotência deste momento
era o meu intento!
era o meu intento...

deixar fugir
sem perseguir
largar o sonho
deixa-lo arder
sangrar fagulhas
até morrer

casamento com a morte

Absorto em sofrimento, alheio ao mundo, indiferente à vida, navegava moribundo perdido num mar de escuridao. Não havia rumo, não havia destino, fugia do sofrimento sem saber para onde ia. Inventei destinos, de tanto querer imaginava portos onde eles não existiam, imaginava bonanca onde só havia ainda mais tempestade. Anulava-me a tentar anular a vida, por ela não fazer sentido, por não saber onde caír morto, onde adormecer, e eu queria é dormir. Queria descansar este coracao pesado, esta alma maltratada, este turbilhao emocional que me assolara. Não havia ninguém, silencio absoluto, silencio fúnebre, vazio emocional, neste mar deserto onde eu naufragara. Impotente seguia à deriva, sem rumo, sem esperanca de encontrar conforto nalgum refúgio, condenado às trevas mais escuras que vida alberga.
Reencontrei aquele brilho nos teus olhos. Aquele brilho de uma compreensao genuina. Aquele brilho verdadeiro, aquele brilho intensamente sufocante que, por instantes, aligeirou o peso da solidao em que me tinha afogado. Um brilho que, para mim, tem um significado. Fiquei o dia todo de hoje a sonhar com aquele brilho especial, com medo que me faca mal. Quem és tu? Que queres tu? Pensei que não voltaria a sonhar mais, tu, com a tua maneira modesta e simples, das-me vontade de partir de novo, em viagens pela vida. Nunca pensei que voltasse a sentir. Tu fazes-me reconsiderar, obrigas-me a repensar a minha vida inteira. A minha solidao. Abalaste a minha solidao com uma ligeireza incrivelmente refrescante... despertaste o sonhador nato em mim, aquele que eu pensava morto, aquele que tinha sucumbido perante as injusticas da vida, cruelmente executado por quem eu tinha como companheiro na minha trincheira a batalhar ao meu lado. O sonhador dentro mim voltou a erguer-se, pronto a ser morto de novo. É dificil aceitar isso. Muito dificil. Um sonhador vive para ser morto. Um sonhador esgueira-se pelas ruelas do destino, encoberto, porque sabe que não falta aí quem o queira matar. Um sonhador vive na eterna desconfianca de saber que é muito vulnerável, vive perseguido pela realidade cruel da vida que o assombra. É demasiado arriscado assumir o sonhador dentro de nós. Assumi-lo significa arriscar mais uma tragédia. Mais um funeral. E tu, com aquele brilho irresistível nos teus olhos, que ilumina a escuridao em que me perdi, fazes-me querer arriscar. Pela primeira vez levantei os olhos do chao e olhei em frente por sentir que é possivel olhar em frente, sem ter que olhar para trás. Vieste raptar-me do altar no dia do meu casamento com a morte, quando a cerimónia já estava preparada, foge comigo por favor...foge comigo...

estremeço

refugiei-me em mim,
intimidado pelo silêncio negro da escuridão lunar.
a chuva tacteia errante pelas entranhas nocturnas da cidade deserta,
envolta silenciosamente o farol que um gemido agudo solta e desperta,
a brisa ofegante de maresia semeia uma inquietude glaciar,

estou só,
estremeço,
,interiorizo este momento ímpar,
vibro sem me mexer,
sonho sem me perder.
,cristalizo tudo em âmbar,
douradamente,
por instantes, eternamente....
- um relâmpago! * * * * * - um raio!
[tu]
estremeço,
assustado tropeço,
é o recomeço!
é um recomeço!
o relâmpago abriu fogo num clareira distante
ela que me oriente, ela me encante...
quero fugir, deixar tudo para trás,
sinto o meu lugar, é a minha paz,
é ela a chamar!

uma droga,
contra esta dor constante [solidão]
um porto,
para esta embarcação errante

elevo-me-ícaro perdidamente ante um sol torridamente desencorajador,
excessivamente sóbrio ,embriagado com lucidez
insensatez
acidez ancorar de vez!

ah quanto eu temo
,quanto eu anseio!
colho ventos
,sonhos semeio
aquele momento,
como eu o receio...

troveja, incendeia, tempesteja, encandeia!
submirjo nas correntes negras do desencontro,
vasculho as profundezas turvas do meu ser,
sangro exaustão de desesperar o confronto
estrangula-me o medo de tudo voltar a perder

ah quanto eu temo
loucamente abomino
,quanto eu anseio!
cansei-me-sísifo do meu destino
aquele momento,
como eu o receio...

porto 04.10.08

As silhuetas crepusculares desta cidade sao perfeitas,
sublimam a melancolia que me corrói a alma,
embalado por vultos fugazes, no mistério das sombras
vou caminhando, carregando o peso ofegante do mundo

embalado, confortado em melancolia,
vou correndo, transpirando a vida,
sem olhar para trás, sem voltar para trás...
nunca olhar para trás...
jamais...


oh tu! cidade grandiosa,
oh tu, rio majestoso,
glorioso horizonte ensanguentado
acolham-me, amparem o meu coracao abandonado.
Cansado. Morto. Exausto.
Afoguei as mágoas em mais mágoas
forrei o meu destino de um cinzento ensanguentado
vou bebendo da podridao em que me afoguei
ninguém me agarra, ninguém me segura,
embebido em profundo desamparo,
sem fantasia para invocar a forca de querer seguir em frente
sentir que a minha alma está doente,
carregar o meu coracao demente,
um corpo que já não sente.

Onde estás tu deus quando te quero?
Onde estao as linhas tortas pelas quais escreves?
Onde estás tu deus quando te invoco?

O ser desiquilibrado, imaginacao inibida, amor amputado.
Roubaram-me a pureza de que transbordava
que agora jaz morta no lodo do meu destino, algures lá no fundo, inalcancável.
Cansada. Morta. Exausta.

existir

entre a dor de existir e a de morrer

nem sei por onde escolher

condenado á eternidade

de injustamente sofrer.

penso e repenso este contrasenso

não o venço...

derrotou, consumiu-me

a objectividade em tudo isto, fugiu-me


toda a ironia em mim é uma caricatura da minha resignação

as falsas euforias em que me perco uma espécie de abstracção

quo vadis? distante momento em que perdi a crença na razão

dispersamente em cacos pelo chão...


incessantemente chuva nocturna, atordoante

a melancolia que a água cadente dilui na alma

deixa o caminho sonhado tão distante


depois


é o desespero que se apodera do leme abandonado

e navega o coração por dilúvios negros de saudade

que morto jaz frio e resignado

por ter perdido a fé na realidade