segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

jaula

macacos me mordam!
que eu adormeci, .
a ver se me acordam.

quase me esqueci quem era.

eles que me mordam!
que eu quase morri,
a ver se espevito.

eles que me catem
os parasitas,
antes que apodreça.

eles que me arranquem
os pelos da barba,
talvez rejuvenesça...

macacos me suguem
o sangue da alma
a ver se desisto

de procurar algum sentido nisto.

a morte do artista

o meu pecado
foi ter-te amado
aberto o flanco
assim tão de lado
que sucumbi
anestesiado

o meu erro
foi ter amado
deixar-te fugir
sem ter agarrado
sonhar a sorrir
e dormir enganado

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

morte em camera lenta

acordei com a depressão a bater à porta,
não a deixei entrar – entrou na mesma
deitou-se ao meu lado,
e olhou-me nos olhos.

congelei de medo.
nunca a sentira tão perto,
o seu respirar, arrepiante.

não me movo.
não me atrevo.
sei que lá fora me espera o mundo,
carregado de verdade
de maldade e solidão enevoada.
não fujo.

horas a fio, sem me mexer.
deitado aqui,
à espera que passe,
que desapareça.
mas ela persiste,
sorri e resiste.

sei que me quer, faminta,
sentada ali
na outra ponta do quarto
sorrindo,
aguçando as garras,
à espera que eu me distraia.

não fujo.
faço-me de valente,
disfarço o medo fazendo de conta que não a vejo
mas ela continua ali
paciente,
esperando.

epílogo:

ignoro a fome
prefiro-lhe o enjoo de um cigarro atrás do outro
aliviam a pressão no meu peito
esta dor que me deixa sem jeito
esta inquietude dentro mim
que anuncia a mágoa por verter
e quando rebento por fim
em espasmos de enlouquecer
ponho um cadeado na minha cara
embebido em apatia; ninguém repara.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

bailado tradicional vol.I

o baile abre com a seguinte melodia:

os astros voltaram a alinhar-se cruelmente
naquela constelação dádá de firmamento
que se forma de vez em quando
só para me foder.
por aí me arrasto, tremendo ao relento
e mesmo assim vou gritando,
não é desta que vou morrer!

Abre o pano e o pianista toca entretido (que alegria!):


o meu amor é um buffet,
cada um passa, pede e tira.
sirvam-se abutres! devorem-no hienas!
gulosos,
encham os bolsos e levem para casa,
guardem no frigorífico, ofereçam aos amigos,
aos namorados, ás namoradas,
deixem estragar e deitem ao lixo:
há aqui muito e abunda.

e deixem os pratos, que eu arrumo…

Mais um rissolzinho? sobremesa? (um momento, vou à cozinha e já volto não sei se ainda tenho!)

já não há?
pura ilusão!
não existe, inventa-se…
como é que queres? doce, salgado,
amargo, inspirado?
trago em mim receita para tudo
e solicitado cá estou,
PRESENTE!
preparando, confeccionando, inventando,
não gosto é de gente insatisfeita:
comam, enjoem e vomitem (se for o caso, o apetite tem dessas coisas).

O pianista não sabe? Sento-me eu ao piano então.


dancem que eu toco,
querem valsa? tango? e pimba?
querem que componha? para vocês? também se arranja!
um balada? (romântica?)

gostas desta melodia?
sentes-te preenchida
e em pura sintonia?
não queres dançar? paciência.

então bailem para aí que eu acompanho.
eu quero é gente feliz
que infeliz já chego eu

(sozinho ao piano de copo na mão)


e quando acharem que chegou, (avisem!)
eu chamo um taxi e ofereço uma recordação
um pedaço de esperança do homem
que sonhava de copo na mão.

e, por favor, não se incomodem,
deixem os cacos que eu varro…

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

27.11.08

no dia mais só da minha vida
a minha alma gritou o teu nome
no deserto vazio que deixaste por cá.

angustiada esperou…
pelo eco que nunca soou.

15.12.08

invólucro de energia
ardendo por dentro
convulsionado em ebulição
quebrado por fora
vertendo sangue
radiância negra
de um choro magoado

o coração
incompreendido

espelho da minha morte
a solidão.
tropeçante em desequilíbrios
esgueiro por interstícios cadavéricos
de uma luz que já não brilha.
ofusca.

jangada de cacos
espiral de destroços
que remoinha e mói
perfura e punge.
caí de joelhos
cansado de lutar
trespassado, gasto
náufrago de mim mesmo

e não me levanto.

quero viver,
só quero viver.

cega-me a tua sombra
paira ali o teu fantasma,
naquele canto frio que guarda o choro
de quem perdeu a eternidade.
para sempre.