segunda-feira, 13 de outubro de 2008

casamento com a morte

Absorto em sofrimento, alheio ao mundo, indiferente à vida, navegava moribundo perdido num mar de escuridao. Não havia rumo, não havia destino, fugia do sofrimento sem saber para onde ia. Inventei destinos, de tanto querer imaginava portos onde eles não existiam, imaginava bonanca onde só havia ainda mais tempestade. Anulava-me a tentar anular a vida, por ela não fazer sentido, por não saber onde caír morto, onde adormecer, e eu queria é dormir. Queria descansar este coracao pesado, esta alma maltratada, este turbilhao emocional que me assolara. Não havia ninguém, silencio absoluto, silencio fúnebre, vazio emocional, neste mar deserto onde eu naufragara. Impotente seguia à deriva, sem rumo, sem esperanca de encontrar conforto nalgum refúgio, condenado às trevas mais escuras que vida alberga.
Reencontrei aquele brilho nos teus olhos. Aquele brilho de uma compreensao genuina. Aquele brilho verdadeiro, aquele brilho intensamente sufocante que, por instantes, aligeirou o peso da solidao em que me tinha afogado. Um brilho que, para mim, tem um significado. Fiquei o dia todo de hoje a sonhar com aquele brilho especial, com medo que me faca mal. Quem és tu? Que queres tu? Pensei que não voltaria a sonhar mais, tu, com a tua maneira modesta e simples, das-me vontade de partir de novo, em viagens pela vida. Nunca pensei que voltasse a sentir. Tu fazes-me reconsiderar, obrigas-me a repensar a minha vida inteira. A minha solidao. Abalaste a minha solidao com uma ligeireza incrivelmente refrescante... despertaste o sonhador nato em mim, aquele que eu pensava morto, aquele que tinha sucumbido perante as injusticas da vida, cruelmente executado por quem eu tinha como companheiro na minha trincheira a batalhar ao meu lado. O sonhador dentro mim voltou a erguer-se, pronto a ser morto de novo. É dificil aceitar isso. Muito dificil. Um sonhador vive para ser morto. Um sonhador esgueira-se pelas ruelas do destino, encoberto, porque sabe que não falta aí quem o queira matar. Um sonhador vive na eterna desconfianca de saber que é muito vulnerável, vive perseguido pela realidade cruel da vida que o assombra. É demasiado arriscado assumir o sonhador dentro de nós. Assumi-lo significa arriscar mais uma tragédia. Mais um funeral. E tu, com aquele brilho irresistível nos teus olhos, que ilumina a escuridao em que me perdi, fazes-me querer arriscar. Pela primeira vez levantei os olhos do chao e olhei em frente por sentir que é possivel olhar em frente, sem ter que olhar para trás. Vieste raptar-me do altar no dia do meu casamento com a morte, quando a cerimónia já estava preparada, foge comigo por favor...foge comigo...

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